Eu sonho quase todos as noites, às vezes mais de um sonho e quase sempre lembro de tudo. Alguns sonhos são mais nítidos, coloridos e com pessoas que conheço. Costumo contar às pessoas que sonhei com elas e algumas se assustam, mas tudo bem, eu sinto que preciso contar porque faz parte de mim e dela. Na pandemia, por exemplo, sonhava muito que estava dando aula a crianças conhecidas e desconhecidas. Há alguns meses, sonhava muito com água, piscinas, praias, nadando com minha família e amigos e em situações diferentes, um céu rosa e laranja.

O caso mais interessante aconteceu quando estava fazendo intercâmbio havia alguns meses e sonhei que estava na casa dos meus pais, vendo os dois dormindo na cama. Contei o sonho a meu pai e ele disse que havia sonhado que eu estava lá no quarto deles, olhando para eles dormindo. Esse sonho tem uma explicação óbvia, os dois movidos pela saudade, porém sonhamos com a mesma coisa e isso, sim, é o que sempre me intrigou.

Quando criança, sonhava muito que estava voando, flutuando, tanto dentro de casa quanto nas ruas, na escola, em lugares desconhecidos. Depois de adulta, de vez em quando sonho que estou na escola onde estudei a vida toda e sempre fazendo coisas diferentes, ensinando e aprendendo, conversando com pessoas. Algumas vezes estou parada fazendo algo que não requer muita atenção e minha mente vai longe, lembrando de sonhos antigos, revisitando paisagens oníricas que ressurgem em minha mente sem eu pedir.

Já encontrei muitas explicações diferentes sobre sonhos. Nada relacionado a significados, mas a explicações sobre o que é sonhar, por quê sonhamos, essas coisas. Segundo o espiritismo, por exemplo, nosso espírito, durante o sono, é capaz de se aventurar pelos mundos, trabalhando, vivendo coisas, conversando com pessoas e aprendendo. Nem sempre são coisas boas, pois, segundo essa visão, estamos em processo de "melhoramento" espiritual e aí podemos procurar lugares não muito elevados nesses sonhos.

O queridíssimo Freud, buscou explicar os sonhos como os desejos do nosso inconsciente, nossos anseios mais profundos e aquelas coisas que nos marcaram durante o dia - e nem sempre percebemos. Segundo ele, ao contarmos os sonhos ao analista, podemos tentar compreender nossos desejos, preocupações, enfim, as coisas estranhas da nossa mente. Essa compreensão, no entanto, esbarra na barreira da linguagem, frequentemente imprecisa e ao mesmo tempo reveladora.

Recentemente, conversando nas redes sociais sobre sonhos, uma pessoa me indicou um livro sobre a visão dos sonhos segundo os Yanomami. Não pensei duas vezes e comprei o livro (esse da foto) e concluí a leitura em alguns dias. Para mim, conhecendo um pouco das duas visões que descrevi acima, consegui fazer algumas relações com a visão dos Yanomami. Entretanto, muitos aspectos da sua cultura, dos mitos e da visão de mundo, abriram minha mente para uma experiência interessantíssima.

Para os Yanomami, o sonho é fonte de conhecimento e deve ser compartilhado com a sociedade. Isso me surpreendeu e fiquei pensando em como as pessoas não-indígenas frequentemente têm vergonha ou não acham importante compartilhar os sonhos. Sempre senti que, quando falo sobre meus sonhos, a resposta do interlocutor é mais ou menos indiferente, já que, na visão do "homem branco" os sonhos não interferem na realidade. O oposto ocorre para os Yanomami, pois os sonhos interferem na realidade e as pessoas podem agir ou deixar de fazer coisas por conta do sonho de alguém.

Outro aspecto que me surpreendeu na visão Yanomami foi que sonhar com alguém representa o desejo do outro. Por exemplo, se eu sonho com uma amiga, quer dizer que ela tem o desejo de me ver, já que ela apareceu para mim. A visão do "homem branco" (e da psicanálise) é totalmente oposta, o sonho seria um desejo de quem sonha.

A noite é dos sonhos, pois de dia não sonhamos. Para eles, a imagem da pessoa sai do corpo e é ela que vive o sonho. Assim, os mortos frequentemente tentam "retornar" ao mundo dos vivos através dos sonhos, pois eles já se tornaram apenas imagem sem corpo. Sonhar com quem já morreu, no entanto, não é algo muito bom, pois eles estariam "tentando voltar" quando na verdade deveriam estar vivendo no mundo dos mortos. Obviamente, há uma nomenclatura específica Yanomami para tudo isso e as relações são bem mais complexas do que consigo explicar aqui, por isso recomendo a leitura para quem se interessa pelo tema.

Algo que me fez pensar bastante foi a ideia de Davi Kopenawa - famosa personalidade Yanomami e xamã - de que o "homem branco" costuma sonhar consigo mesmo e tem sonhos mais terríveis porque vive no caos da cidade, atraído pelo mundo material e modificado, longe da natureza. Estar perto da natureza e conectado com a floresta é algo crucial para o aprendizado através dos sonhos, para a imagem da pessoa poder viajar mais longe e, até, ter sonhos mais bonitos. Para mim, isso fez todo o sentido e me fez lembrar que, depois que vim morar longe da cidade, meus sonhos se tornaram mais nítidos e lembro deles com mais frequência.

O mundo dos sonhos é algo natural para mim. Algumas vezes consigo até sentir meu espírito (imagem) se descolando do meu corpo e também voltando para ele quando o sonho acaba. Talvez eu seja um tipo de pessoa mais aberta ao onírico, e, por isso, eu sempre tento pensar em coisas boas, ler algo interessante na cama para dormir com a mente calma. E é por isso que esse livro me impactou tanto. Me faz bem conhecer outras culturas e, principalmente, outras visões sobre algo que é comum a todas as pessoas. Afinal, todo mundo sonha.

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LIMULJA, Hanna. O desejo dos outros: uma etnografia dos sonhos yanomami. São Paulo: Ubu Editora, 2022.
LIMULJA, Hanna. CABOCO, Gustavo. Mari hi: A árvore dos sonhos. São Paulo: Ubu Editora, 2023.

2 Comentários

  1. Uma bela reflexão. Tem dias que sonho, tem dias que não. Tem dias que lembro do que sonhei, tem dias que não. Seu post foi muito legal pois tratou de sonho nos mais diferentes ambientes e situações.

    Boa semana!

    O JOVEM JORNALISTA está em HIATUS DE VERÃO do dia 03 de fevereiro à 06 de março, mas comentarei nos blogs amigos nesse período. O JJ, portanto, está cheio de posts legais e interessantes. Não deixe de conferir!

    Jovem Jornalista
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    Até mais, Emerson Garcia

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  2. Eu percebo que eu vivo numa bolha qnd vejo coisas assim. Nunca nem passou pela minha cabeça que existiam outras visões de sonhos além dessa de Freud. Muito interessante essa visão dos Yanomami. Juro, gostei muito que você trouxe isso pra cá.

    Que conexão forte com o seu pai!!!

    Eu queria lembrar mais dos meus sonhos, teve uma época que eu estava sonhando muito e criei um grupo no whatsapp comigo mesma só pra anotar e eu não me esquecer. Se eu demoro 2min de olho aberto pensando em outra coisa o sonho já foge de mim. Mas eles são mt criativos, preciso dar esse crédito pro meu cérebro kkkk, as vezes parece roteiro de filme.

    Muito interessante o livro, fiquei com vontade de ler!

    https://meumuseuparticular.blogspot.com/

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