Foto de Benedict Cumberbatch nos ensaios da peça Hamlet de 2015 e o meu ingresso para a mesma peça.

Por algum motivo (falta de autoconfiança e não conseguir ficar parada nas férias), resolvi fazer um curso sobre Shakespeare e uma das grandes dificuldades na leitura das peças está na falta de um narrador. Aquela voz em primeira ou terceira pessoa que pega na mão do leitor e vai apresentando a história, os pensamentos, o ambiente, entre tantas coisas que o narrador sabe e a gente não sabe como ela sabe. É uma característica desse gênero textual e algo que meus estudantes (e eu também, confesso) reclamam - "ai, tenho que ficar indo e voltando na lista de personagens porque eu esqueço em é quem".

(Gostaria de abrir aqui esse parênteses e dizer que, entre tantas adaptações das peças de Shakespeare, existem aquelas que passam o texto para prosa. Então, quando for comprar algum livro do Bardo, preste atenção à descrição para ver se não é o caso. E foi assim que eu li Rei Lear aos 15 anos e, sinceramente, não gostei da versão adaptada, achei pior do que a peça.)

A dificuldade na leitura das peças, além de estar nessa ausência de uma voz narrativa, também pode acontecer por limitações imaginativas por parte do leitor. É preciso ler nas entrelinhas, tecer hipóteses, reler as falas e pensar "será que Lady Macbeth teve um aborto?", ou então, "e se Ofélia estava grávida de Hamlet e, por ter feito sexo antes do casamento, se tornou impura e, assim, se matou?". Obviamente eu ainda estou treinando essa capacidade de fazer hipóteses e essas duas perguntas vieram de textos do material do curso ou de algum podcast que ouvi sobre o assunto - antes que alguém me ache inteligente ou sei lá o quê.

No teatro, as peças encenadas faziam a plateia reagir e ter que pensar nessas hipóteses muito mais rapidamente do que os leitores. Em 2015, tive o privilégio de ver Hamlet no Barbican Theatre (o príncipe era ninguém menos do que Benedict Cumberbatch) e a experiência é absolutamente única. Eu realmente foquei apenas na encenação, no aqui e agora - talvez um pouco distraída pelo cenário maravilhoso e a atuação de Benedict - e não lembro o que pensei da coitada da Ofélia. E eu realmente não sei dizer se assistir a uma peça com uma base teórica "estrague" tudo pela vontade de analisar e questionar, mas eu gostei de ter visto com um olhar mais "inocente". O que posso dizer é que a compreensão da história foi muito melhor quando vi a peça do que quando li o livro.

Voltando ao papel da voz narrativa, posso dizer que é uma questão central nos estudos literários. Quem conta a história e a maneira como é contada definem todos os rumos de todos os outros aspectos que estudamos. Um professor num curso recente fez a seguinte pergunta: "até que ponto podemos confiar no narrador?". Ele estava se referindo a Nick Carraway em The Great Gatsby, um narrador que faz parte da história e por vezes muda de opinião em relação a Gatsby durante a narrativa. Então, se não há propriamente um narrador em peças (e em Shakespeare), dependemos exclusivamente das falas das personagens para construir a história. Seríamos nós, leitores, a própria voz narrativa de Shakespeare? Afinal, depois de vermos ou lermos uma história, quando vamos reconta-la a alguém, usamos nossa própria voz para isso.

Talvez eu esteja só pensando demais sobre isso. Mas em outro livro que estou lendo no momento, a autora nos leva a refletir sobre como todas as coisas são narrativas. Nossa vida é narrada por nós, pelas coisas armazenadas em nossas memórias e transformadas em linguagem. Quando morremos, também viramos narrativa no pretérito. Enquanto vivemos, contamos e recontamos nossas experiências em linguagem falada e escrita, até mesmo em imagens e outros recursos audiovisuais. 

Bom, agora o café que tomei pra terminar de escrever esse texto já está perdendo o efeito e eu estou perdendo o meu fio de pensamento. Vou parar por aqui e procurar uma foto pra ilustrar esse post.

1 Comentários

  1. Bem legal sua reflexão. Obrigado por compartilhar.

    Boa semana!

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    Até mais, Emerson Garcia

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